Felicidade
- Existe a felicidade? Será ficção ou realidade?
Se não existe, porque tem sido essa a aspiração de todas as
gerações através dos séculos e dos milênios? Já não seria tempo de o homem
desiludir-se?
Se existe, porque não a encontram os que a buscam com tanto
empenho?
Que nos
responda o poeta:
- "A felicidade está onde nós a pomos; e nunca a pomos onde
nós estamos".
Eis a questão. A felicidade é um fato desde que a procuremos onde
realmente ela está, isto é, em nós mesmos.
O desapontamento de muitos com relação à felicidade,
desapontamento que tem gerado incredulidade e pessimismo, origina-se de a terem
procurado no exterior, onde ela não está...
Origina-se ainda de a suporem dependendo de condições e
circunstâncias externas, quando todo o seu segredo está em nosso foro íntimo,
no labirinto dos refolhos de nosso ser.
O problema da felicidade é de natureza espiritual.
Circunscrito à esfera puramente material, jamais o homem o
resolverá. O anseio de felicidade que todos sentimos vem do Espírito, são
protestos de uma voz interior.
O erro está em querermos atender a esses reclamos por meio das
sensações da carne e da gratificação dos sentidos. Daí a insaciabilidade, daí a
eterna ilusão!
O fracasso vem da maneira como pretendemos acudir ao clamor do
Espírito. Ao rufiar de asas, respondemos com o escarvar de
patas.
A ideia da felicidade é tão real como a da imortalidade: aquela,
porém, como esta, diz respeito à alma, não ao corpo.
Ao Espírito cumpre alcançar a felicidade que está, como a
imortalidade, em si mesmo, na trama da própria vida, dessa vida que não começa
no berço nem termina no túmulo. A felicidade, neste mundo onde tudo é relativo,
não exclui o sofrimento. Mesmo na dor, a felicidade legítima permanece atuando
como lenitivo.
De outra sorte, sofrer durante certo tempo e ver-se, depois, livre
do sofrimento, já não será felicidade?
O doente que recupera a saúde e o prisioneiro que alcança a
liberdade já não se sentem, por isso, felizes? A saudade que nos crucia, não se
transforma em alegria quando, novamente, sentimos palpitar, bem junto ao nosso,
o coração amado?
Não é bom sofrer para sentir alegria?
E' assim que, muitas vezes, a felicidade surge da própria dor como
a aurora irrompe da noite caliginosa.
O descanso é um prazer após o trabalho; sem este, que
significação tem aquele?
- Assim... a felicidade.
Ela representa o fruto de muitos labores, de muitas porfias e de
acuradas lutas. Vencer é alcançar a felicidade. Podemos, acaso, conceber
vitória sem refregas? Quanto mais árdua é a peleja, maior será a vitória, mais
saborosos os seus frutos, mais virentes os seus louros.
Para a felicidade fomos todos criados. "Quero que o meu
prazer esteja em vós, e que o vosso prazer seja completo." As graças
divinas estão em nós, mas não as percebemos.
A vida animalizada que levamos ofusca o brilho da luz íntima que
somos nós mesmos.
Vivemos como que perdidos, insulados, ignorando-nos a nós
próprios.
Encontrarmo-nos e nos reconhecermos como realmente somos — eis a
felicidade. Fugirmos da espiritualidade é fugirmos de nós mesmos.
Querendo fruir prazeres sensuais, adulteramos nossa íntima
natureza, resvalando para o abismo da irracionalidade. Desse desvirtuamento vem
a dor, dor que nos chama à realidade da vida e nos conduz à felicidade.
A alegria de viver é consequência natural de um certo estado de
alma, e significa viver profundamente .
"Eu vim para terdes vida e vida em abundância".
A verdadeira vida é sempre cheia de alegria; é um dia sem
declínio, um sol sem ocaso. O céu é a região da luz sempiterna. A ele não
iremos pela estrada ensombrada de tristezas, luto e melancolia.
O caminho que conduz à felicidade, resolvendo os problemas da
vida, é estreito: não é escuro, nem sombrio. Estreito, no caso, significa
difícil, mas não lúgubre.
A alegria de viver nasce do otimismo, o otimismo nasce da fé. Sem
fé ninguém pode ser feliz. Sem fé e sem amor não há felicidade.
As virtudes são suas ancilas. Haverá felicidade maior que nos
sentirmos viver no coração de outrem?
- "Pai, quero que eles (os discípulos) sejam um em mim,
como eu sou um contigo." A fusão de nossa vida em outra vida é a máxima
expressão da ventura.
O egoísmo é o seu grande inimigo. Alijá-lo de nós é dar o primeiro
passo na senda da felicidade.
Sendo a felicidade resultante de uma série de conquistas, é, por
isso mesmo, obra de educação.
Através da auto-educação de nosso Espírito, lograremos
paulatinamente a felicidade verdadeira.
O reino de Deus — que é o do amor, da justiça e da liberdade —
está dentro de nós, disse Jesus com o peso de sua autoridade. Descobri-lo,
torná-lo efetivo, firmar em nós o império desse reino, vencendo os obstáculos e
os embaraços que se lhe opõem — tal é a felicidade.
Para finalizar, concedamos a palavra a Leon Denis, o grande
apóstolo da Nova Revelação:
Como a educação da alma é o senso da vida, importa resumir seus
preceitos em palavras:
Aumentar tudo quanto for intelectual e elevado. Lutar, combater,
sofrer pelo bem dos homens e dos mundos. Iniciar seus semelhantes nos
esplendores de verdadeiro e do belo.
Amar a verdade e a justiça praticar para com todos a caridade, a
benevolência tal é o segredo da FELICIDADE, tal é o Dever, tal é a Religião que
o Cristo legou a Humanidade.
(Vinícius.
In: Em Torno do Mestre)